Infotainment reduz confiabilidade do público e isso tem preço

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Jan 26, 2012
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infotainment
confiabilidade
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Infotainment compromete confiabilidade do público e tem consequências graves
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Cerca de 70% do público na Inglaterra não confia no que os tabloides reportam, segundo mostra uma pesquisa publicada pelo Guardian hoje. O número impressionante serve como alerta para uma larga fatia do jornalismo hoje (talvez a maior), o infotainment. O crescimento exponencial da audiência na Internet é incrivelmente sedutor para empresas que têm seu faturamento despencando em outras mídias e a maioria dos players está caindo de boca no filão (no Brasil, absolutamente todos os meios, sem exceção, estão), mas isso tem um preço e uma hora, ele será cobrado.
A relação aqui é simples. Usando o exemplo britânico: os tabloides são sensacionalistas desde sempre. Nunca houve um momento em que eles assumiram as posturas sérias dos diários mais vetustos como o The Times, por exemplo. Mas até um passado recente, os tabloides faziam jornalismo de qualidade também. O premiado jornalista John Pilger, por exemplo, era correspondente do então trabalhista Daily Mirror. Até o infame The Sun já teve eleito o repórter do ano. Sob a gestão do milionário Rupert Murdoch(que compartilha a mesma visão de vários donos de conglomerados noticiosos brasileiros, de que jornalismo é um negócio como qualquer outro), contudo, os tabloides ingleses mergulharam cada vez mais fundo na cobertura sensacionalista, especialmente do mundo das celebridades.
Sob a batuta de editores-chefe como o abjeto Piers Morgan (ex-editor dos dois jornais de Murdoch e hoje âncora de um talk show na CNN americana), os tabloides perderam a noção e aumentaram a pressão para conseguir furos, transformando-se em criminosos. Perseguição ilegal de celebridades, quebras de sigilo telefônico, corrupção de policiais viraram praxe na News Corporation de Murdoch, que é uma empresa gigantesca e que não reconhece poder em absolutamente ninguém (até o ex-premiê Gordon Brown foi ameaçado pelos jornalistas do NOTW). No ano passado, o escândalo de Milly Dowler, uma adolescente assassinada que teve a investigação de sua morte atrapalhada pelo News of The World para este conseguir mais "furos", veio à tona e a atividade criminosa da empresa foi desmascarada. A rejeição do público pelos tabloides explodiu nesse momento.
Para se entender como jornalistas transformam-se em criminosos é preciso levar e consideração o contexto. É uma mudança que não acontece da noite para o dia. Começa-se com pequenos exageros, que passam a médios e grandes e posteriormente, pequenas ilegalidades aparentemente inócuas começam a fazer sentido. Ao longo de anos e  com uma pressão incessante por uma audiência maior, os meios de comunicação transformaram-se em verdadeiros "circos de horrores", com uma exploração brutal das vidas particulares das pessoas (muito além do que é aceitável, mesmo para uma pessoa com notoriedade). Se no fim do dia, a audiência foi maior, qualquer coisa valia. Só que, mais cedo ou mais tarde, os excessos são revelados e o público - o mesmo público que premia por mais escândalos, absurdos e baixaria - vira as costas e aponta o dedo de modo acusatório dizendo que os excessos são imperdoáveis. Essa é uma idiossincrasia da audiência. Ela jamais vai se colocar no banco dos réus por ter exigido algo e vai condenar quem entregou o pedido, se necessário.
A aposta pelo entretenimento é tão válida quanto qualquer outra, mas o "vale tudo", não. O "jornalismo de celebridades" na Inglaterra elevou a pressão até se transformar na indústria murdochiana de uma empresa grande o suficiente para não respeitar mais a lei. No Brasil, esse processo começa a ganhar contornos mais claros. Os profissionais que comandam os grandes grupos de informação precisam estabelecer antecipadamente quais são os limites que não podem ser ultrapassados nunca. Se tiverem de decidir cob a pressão dos seus departamentos comerciais, vão fazer as mesmas escolhas que o império de Murdoch e, como lá, não serão os seus patrões a serem processados. Talvez aí esteja outra diferença: descobrir se o Brasil tem maturidade jurídica suficiente para colocar grandes grupos de comunicação no banco dos réus, se fosse esse o caso.

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